Quem abriria
Quem há-de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?
Sempre que pode
foge prá rua
cheira o passeio
e volta para trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.
Quado abro a porta corre para mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento, vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase, ronronando.
Repito a festa,vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas, cerra os olhos, abre as narinas,
e rosna, rosna, deliquescente,abraça-me e adormece.
Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?
António Gedeão
3 Comments:
Obrigada por este delicioso Gedeão.
Vivemos a apegar-nos a coisas que até imaginamos e depois é um ror de saudades por antecipação. :)
Maria,
Costumo dizer "saudades do futuro que não terei", quando ando meio-piegas, que é uma doença que me ataca algumas vezes.
A sorte é que a coisa não é fatal.
:)
pintoribeiro,
Apesar de afirmares que não gostas do grande poeta Gedeão (tem muita e santa paciência), hoje "deu-me na gana" postar outro poema.
Não foi para te aborrecer, garanto.
Abraço da tia.
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