15.12.06

Citando

O sal da terra

Desconfia daqueles que veneram. Expulsa de tua soleira os devotos. Não admitas a teu convívio os lábios reverenciais. Com as giestas da última primavera (eram abundantes, lembras-te?), arma a vassoura que trarás sempre contigo. Busca o desprezo, de ti e das coisas, com a mesma infinda minúcia com que outros apenas se buscam, na composição confusa de seus ecos.
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O POEMA

O poema é um exercício de dissidência, uma profissão de incredulidade na omnipotência do visível, do estável, do apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há poema verdadeiro que não torne o sujeito um foragido. O poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no mundo para lá daquela que não pertence a este mundo? O poema não busca o inexprimível: não há piedoso que, na agitação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que o mundo repudia.

A ESTRADA BRANCA

Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto
folhas tremiam
ao invisível peso mais forte.
Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate

José Tolentino Mendonça

2 Comments:

Blogger antónio paiva said...

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eu gosto!!!

obrigado
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December 16, 2006  
Blogger Ana said...

chuvamiuda,

Nem duvidei de que gostarias.

A mim, não agradeças.

Agradece a J. T. Mendonça, o inspirado poeta.

Conheço mais alguns inspirados poetas...

December 16, 2006  

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