31.1.07

Que não falte um poema

Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhastes súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia a dia
mais que mulher tu és já a minha única viúva
Não posso dar-te mais do te dou
este molhado olhar de homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente

Ruy Bello

Todos os dias


Nasce o sol, põe-se o sol. Sinal de Calor e Vida.
Por isso, hoje, apeteceu-me dar um aspecto novo a este lugar.
Não é mudar de pele, é só um mudar de roupagem.

30.1.07

Cores quentes

Para um dia frio.
Nostalgia sem nome da paisagem,
Secreto murmurar de cada imagem,
Que na escuridão se ergue e caminha.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in Dia do Mar

Asas




Nenhum pássaro voa alto demais se voa com as próprias asas.
(William Blake)

29.1.07

No Café Sport


Não neste da foto, um lugar da história do Atlântico, também conhecido como o Peter's Café, onde já tive o prazer de estar, mas no seu irmão mais novo, de Lisboa, há sobre a porta de entrada uma frase que acho muito bonita, cheia de sentido. Resolvi, por esse motivo, transcrevê-la aqui:
Café Sport, símbolo do andar dos homens livres por um mundo formoso e extenso, sem fronteiras de raças nem de costumes.

28.1.07

Até que, hoje, se perdoa


Mesmo para quem não costuma, com o frio que está, com moderação, até se percebe...
Pessoalmente, esta tarde, optei pelo chá verde, que também faz efeito.
Tinha, mais cedo, numa mostra de petiscos, provado um abafadinho dos Açores (esta parte não era para ser contada). Mas, já que está, fica.

Dia de Copianço

Vou buscar a JG
Porque divulgar também faz sentido. Mesmo os nomes grandes.

Crónica Feminina
estava nua, só um colar lhe dava
horizontes de incêndio sobre o peito,
a transmutar, num halo insatisfeito,
a rosa de rubis em quente lava.

estava nua e branca num estreito
lençol que o fim do sono desdobrava
e a noite era mais livre e a lua escrava
e o mais breve pretérito imperfeito

só o tempo verbal lhe fugiria,
no alongar dos gestos e requebros,
junto do espelho quando as aves vão.

toda a nudez, toda a nudez, toda a melancolia
a dor no mundo, a deslembrança, a febre,
os olhos rasos de água e solidão

Vasco Graça Moura
in "Sonetos Familiares", Quetzal Editores, 1999


27.1.07

Tantos passos

















Labruge (Vila do Conde).
Porque também voam gaivotas a Norte.

Romã de Hades e Perséfone

Uma lenda.













..........................................
Hades levou-a então a um lugar mágico que criara para a sua amada, um jardim cheio de flores e frutos, como um oásis luminoso num deserto de trevas. Sentados sob uma romãzeira carregada de frutos, o deus terrível falou-lhe do seu horrendo trabalho, da sua vida sem amor e sem esperança. Como poderia ser compassivo e generoso se nunca fora amado?
Perséfone deixou-se envolver pelo sofrimento e a solidão dos belos olhos negros e aceitou os bagos rubros da romã que Hades lhe oferecia com ternas palavras de amor, selando assim o seu destino.

26.1.07

As cidades

Estavam no poente luzidias,
Acesas e magnéticas chamando
Sob o infinito céu das tardes frias.

Sophia de Mello Breyner Andresen










Por isso fui, nesta tarde fria e soalheira, ver a cidade e o Tejo, ali para as bandas do Cais do Sodré.

Abre os olhos

Homem,
abre os olhos e verás
em cada outro homem um irmão.

Homem,
as paixões que te consomem
não são boas nem más.
São a tua condição.

A paz,
porém, só a terás
quando o pão que os outros comem,
homem,
for igual ao teu pão.

Armindo Rodrigues

25.1.07

De onde não se espera


Acontecem coisas imprevistas.

Lembra Caio Júlio César:
Até tu, Brutus, meu filho?

Uma dorzinha delicada














Uma mão invisível que aperta a garganta.
Uma lágrima teimosa que os olhos não seguram.
Um frio que o sol não afasta.
Um luar que não traz festa.
Uma rua larga que não sabemos aonde leva.
Uma estrela polar que não diz o Norte.
São assim os momentos de tristeza.

24.1.07

Sr Bush

















Agora é-lhe mais complicado.
O que torto nasce...

23.1.07

Referendo: vamos por partes

Achei curioso o modo como a pergunta a referendar a 11 de Fevereiro, foi desmontada aqui.
Seja qual fôr o resultado do referendo, há uma coisa que deve estar bem clara. Ninguém fica obrigado a abortar.
A questão de consciência não se altera face à lei.
Quem disser o contrário, mente.
O que já existe, existe em más condições, sobretudo para os mais pobres e está para lá dos argumentos que se possam usar.
Hipocrisia, não!
Educação, sim!

Obrigada minha amiga














Pela amizade, pela confiança, por tudo o que generosamente partilhas, incluindo as fotos.

Há gestos para os quais não temos palavras.

Talvez um abraço!

Acenda uma vela


Está a ser feita uma petição online para acabar com os sites de pornografia infantil. A única coisa que nos pedem é para acender uma vela virtual. O objectivo de acender um milhão de velas em 4 meses foi cumprido em 60 dias. Quantas mais velas, melhor. O link está mais abaixo. Eu já acendi a minha... As crianças agradecem. E o resto do mundo também.
http://www.lightamillioncandles.com/

22.1.07

Vem aí muito frio

Poeta exposto



















Deixaram-me só junto à porta do mundo,
poeta exposto, cantando-me a mim mesmo,
num dia de outono, há muito tempo já.
De um golpe seco arrancaram-me ao nada,
truncado de raiz,
com dois olhos abertos e um grito,
o fundo grito de quem sonhou ser pássaro
e não trouxe as asas para o voo.
Fui-me rodeando do mistério terrestre,
onde ainda não sei se vivo ou sonho,
e no fim a morte virá num torvelinho
que me arroje amanhã ante outra porta.
Não adivinho a minha origem, o meu futuro,
ainda que pelo sangue seja fiel às palavras
e possa jurar que quanto escrevo
provém como eu próprio de algo muito longe...
Poeta exposto, errando na intempérie,
o meu único pai é o desejo
e a minha mãe a angústia de ser órfão na terra.

Eugénio Montejo
In VOZ CONSONANTE
(Traduções de poesia por A. Ramos Rosa)

21.1.07

Fragilidade














Este verso, apenas um arabesco
em torno do elemento essencial - inatingível.
Fogem nuvens de verão, passam ares, navios, ondas,
e teu rosto é quase um espelho onde brinca o incerto movimento,
ai! já brincou, e tudo se fez imóvel, quantidades e quantidades
de sono se depositam sobre a terra esfacelada.
Não mais o desejo de explicar, e múltiplas palavras em feixe
subindo, e o espírito que escolhe, o olho que visita, a música
feita de depurações e depurações, a delicada modelagem
de um cristal de mil suspiros límpidos e frígidos: não mais
que um arabesco, apenas um arabesco
abraça as coisas, sem reduzi-las.

Carlos Drummond de Andrade
in A rosa do Povo

navegando
















lembrar-te é viajar
tocar-te é navegar
beijar-te é sulcar ondas
amar-te é traçar destinos
sentir-te é levantar a âncora
ter-te é um porto seguro


António Paiva
in juntando as letras

20.1.07

Assim também












Tenho marcas no coração, deixadas pelas pessoas que cruzam a minha vida. De perto, de longe, de viva-voz ou por escrito. Sou feita do que me faço e do que me fazeis. As marcas de muitos toques fazem-me a vida melhor.

19.1.07

Formigas

..................................
Não saberia dizer a que distância exactamente ela estava ou em que posição. Apenas sentia que seus pelos se eriçavam para captar uma espécie de calor que ela exalava e os mantinha como que irmanados. Era como se estivessem unidos poro a poro, por finíssimas linhas de minúsculas formigas laboriosas que corressem de um lado para o outro, incessantes.

Imaginava que as formiguinhas laboriosas eram também letras, sinais de um código secreto e telepático, e os dois, assim deitados lado a lado, um livro aberto folheado pelo acaso da brisa. Não um romance, mas um livro de poemas. Cada página um poema, lírico ou erótico. Cada página um poema, de solidão ou de êxtase. Cada página um poema, ele e ela. Tão próximos, tão distintos.
Texto: dali

São flores brancas














Para o Francisco, que ontem perdeu o Pai.

18.1.07

Não ando boa da cabeça

Acho que julguei ouvir o economista João César das Neves dizer que a despenalização do aborto, como previsto na pergunta a referendar em Fevereiro e se houver uma vitória do Sim, vai fazer isto: abortar passa a ser uma coisa normal, como comprar um telemóvel.
Ou ando mal do ouvido, ou não sou deste mundo, ou aquele senhor professor não é deste mundo, ou as mulheres são todas desprovidas de sentimentos e consciência, ou ele não disse o que eu julguei ouvir...
Respeito o direito à opinião diferente da que eu possa ter. Respeito as pessoas que argumentam em defesa das suas convicções, com inteligência e saber. Despropósitos não respeito.

uma palavra



É uma palavra feita de matéria lunar

que eu procuro. Preciso

da sua ondulação nocturna

da sua luz pegajosa. Uma palavra

que se tatue na palma da mão

e que fechada refresque o lugar

onde se cruzam as linhas do destino.

Esteva, é essa a palavra que eu procuro

Nuno Higino

in Onde correm as águas

Gosto de cinema

Do realizador Anthony Minghella (de «Cold Mountain» e «O Paciente Inglês»), «Assalto e Intromissão» conta a história de uma série de roubos criminais e emocionais, filmada numa Londres em plena mudança cultural e geográfica.
Original: Breaking and Entering
Com: Jude Law, Juliette Binoche, Robin Wright Penn
Neste caso, dei o tempo e o dinheiro por bem gastos!

17.1.07

Referendo


Uma pequena nota, apenas.

As Chamas

















Quem pede assim a terra como uma sobremesa?
Quem recolhe este lixo crepuscular
Que se acumula na alma?
Abraço os animais
Enquanto o fogo vem como um poente
E deixa atrás de si um rasto
De cinza melancólica.
………………………….
Armando Silva Carvalho
In Sol a Sol

Nos pinhais

















Se alguém passa agora nos areais,
Se alguém passa agora nos pinhais,
Diz,
Em gestos plenos e naturais,
Tudo o que eu, tão em vão, perdidamente quis.

****************************************
Quem como eu em silêncio tece
Bailados, jardins e harmonias?
Quem como eu se perde e se dispersa
Nas coisas e nos dias?

Sophia de Mello Breyner Andresen

16.1.07

Para uma desconhecida

Este post de hoje é para uma desconhecida, que me deixou lágrimas na mão.
Ia, vagarosamente, do Saldanha para o Campo Pequeno, quando vi, sentada na soleira da porta de um prédio grande, uma rapariga com lágrimas nos olhos, uns cadernos e caneta na mão. Vinte, vinte e poucos anos. Parei, olhei-a e perguntei:
- Então, o que se passa, sente-se mal?
O choro passou de lento a convulsivo.
Só soube afagar-lhe o cabelo, levantar-lhe o queixo e dizer-lhe umas poucas palavras.
Na minha mão direita havia lágrimas suas.
Não lhe resolvi nenhum problema. Mas talvez a tenha convencido de que o mundo e a vida não são tão maus, como em alguns momentos nos parecem. Talvez a tenha convencido de que ser tão nova e tão bonita é uma razão para não desesperar tão profundamente. Porque a juventude também é feita de força e de esperança.
Talvez…
Porque, nas ruas da cidade grande deambulam muitas solidões, dedico a esta rapariga e a outras mulheres que o queiram para si, este poema de Sophia:

Aquelas cujos ombros se extinguiram
Contra os muros dum quarto misterioso
Onde há uma janela voltada para longe

Aquelas em cujos olhos não há cor
À força de fitarem o vazio
Que vai e vem entre os horizontes e elas

Aquelas cujo desespero cai
De todo o céu a pique sobre a terra,
Imutável e completo, igual
Ao silêncio do mar sobre os naufrágios.

Elas são aquelas que esperaram
Que todas as promessas se cumprissem
E que nos cegos deuses confiaram.

15.1.07

Vi(d)a Dolorosa

Domingo, para pensar na tristeza?

Porque há pais e filhos que, amando-se, se desentendem e sofrem,
Porque há maridos e mulheres que estão juntos e já esqueceram o amor,
Porque há pessoas que se lamentam dos seus magros proventos,
Porque há quem nos diga que tem medo de gostar de mais,
Porque há quem nos diga que só se sente melhor quando o filho vem a casa,
Porque há quem nos diga que está triste, lambendo equimoses,
Porque há quem nos diga que a solidão pesa muito,
Porque há pobreza envergonhada à nossa volta,
Porque há quem viva à espera de morrer.

Porque não podemos ficar indiferentes,
Porque estar atento e presente é importante,
Porque, às vezes, só um sorriso e uma palavra, já ajudam.

14.1.07

A tristeza é um livro



A tristeza é um livro sábio que se tem no coração e que nos diz centenas de coisas - impede-nos de apodrecer como um cogumelo debaixo de uma árvore; pouco a pouco vai fabricando uma provisão de ensinamentos para a vida.

Slowacki, Juliusz

Imagem dali

**********************
Porque o domingo também é um dia bom para olhar a tristeza nos olhos.

13.1.07

Porque hoje é sábado



Porque há sol,

Porque gostamos de azulejos,

Porque gostamos de mar azul,

Porque, acima de tudo, queremos homenagear os que, por incúria de outros, deixam órfãos e viúvas na dor e no desamparo,

Postamos "Soalheiro".

12.1.07

Ofícios Turvos











Não descreves amplexos, volumes sensuais,
Movimentos do corpo em outro corpo.
A isso não te leva a língua que te serve
A mente aberta e dilacerada.

Os nomes, só os nomes em ti louvam a espécie
E os ofícios turvos da reprodução.
Tanges o teu grito na pele ampla dos vocábulos
Na luz difusa das constelaçõs.
Nomeias, para viver parcimoniosamente
Na literatura.
...............
Armando Silva Carvalho
in Sol a Sol

Uma teia fatal



Original:L'Odore del Sangue
Realização:Mario Martone
Elenco:Michele Placido; Fanny Ardant; Giovanna Giuliani; Sergio Tramonti
Argumento:Mario Martone
Género:Drama
****************************
Na imagem anexa - deste filme: é o mesmo actor que fazia Corrado Cattani, combatente da Máfia, na série televisiva O Polvo.

11.1.07

Água das mãos

A água das mãos
não é uma fonte.
É a frescura que se bebe
mas não se possui.
Tomá-la-ei como um sopro
das divindades antigas:
sentar-me-ei na pedra.
E distraidamente deixarei
a vasilha da alma transbordar.

Nuno Higino
in Onde correm as águas

O abismo anda no ar











...............................
Conduz-se num país cada vez
Mais de vento, de fogos, e de falsas culpas.
Mas nunca a demagogia acelerou
Meus versos.
É melhor travar enquanto tenho tempo.
A lua, só a lua, me basta
Para guiar o corpo.
Devagar, que os astros sabem
Bem guiar de noite.
Concedem-me os sinais que me orientam
No espaço,
Agora que deixo o tempo.

Acenos
Alguém pede boleia
É preciso parar, saber de perto
O que a aventura diz.
O abismo anda no ar, há um enxame de anjos
A atravessar o céu.

Ó meus amores, meus amigos, o melhor
É aproveitar o vento
E morrendo
Voando pelas ruas do país.

Armando Silva Carvalho
in Sol a Sol

Guantanamo, demasiado velho


Gulag
Wikipédia: ...as condições de trabalho nestes campos eram bastante penosas e incluíam fome, frio, trabalho intensivo de características próximas da escravatura e guardiães desumanos.
... a motivação era predominantemente racial, com vista ao extermínio.

10.1.07

Se chove














...............................
Se chove é outra coisa.
A tristeza molhada é um paramento
Citadino com o seu encanto
E os seus devotos.
Há sempre alguém que sabe suportar
O peso líquido da vida
E aproveita uma aberta sabendo que não tarda
O aguaceiro seguinte.
..............................................
Armando Silva Carvalho
in Sol a Sol

9.1.07

Já tinha notado


J'ai besoin de voir du sang! hurle Mel Gibson.

Lembremos Bravehart, A Paixão de Cristo e agora este Apocalypto.

Mel Gibson leva a capacidade humana de sofrer aos limites.

Lembrete: ainda a tempo















GULBENKIAN – CENTRO DE ARTE MODERNA

AMADEO DE SOUZA-CARDOSO.
15 Novembro 2006 a 14 Janeiro 2007
*********************************
À tarde, há fila para entrar...

8.1.07

Mulher Triste e Até Ti


































Dali: as imagens



É um chamamento







Porque será que a noção de vida eterna me parece mais verdadeira quando olho o mar?
Será que depois de eu já não ser, ainda haverá no mar um resquício de memória de mim?
Porque com o mar comungo e essa é a mais forte noção de comunhão que tenho.
Existe em mim esta forma de paganismo.
Mesmo sabendo que os mares morrem.
Atirem-me as pedras que quiserem, não renuncio.

7.1.07

Cinema também vejo


"O terceiro passo"
Novo filme do realizador Christopher Nolan.
O filme conta uma história de ódio e vingança entre ilusionistas, na Inglaterra dos finais do século XIX.

Deste filme gostei imenso.

Leio

A Ilha dos Porcos, depois Cemitério de Pianos, agora O Vento que Desorienta o Caçador.
Há sempre um livro a olhar para mim, quando passo por uma livraria.
O último aqui mencionado, comprei-o hoje e tem uma citação que achei preciosa:

"Há sopros maus no vento! Gritos maus no rio, na noite, no arvoredo!"

Mário António
in Donas de Outros Tempos
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Sobre "O Vento que Desorienta o Caçador" - de Arnaldo Santos, editado pela Caminho, diz Luandino Vieira:
"...é, afinal, o desatado vento da História soprando, indiferente, sobre a efémera vida dos homens".

6.1.07

A Escaroupim, naturalmente





...dar um salto a Escaroupim, aldeia de pescadores com coloridas casas assentes em pilares por causa das cheias do Tejo.










Para os lados de Salvaterra de Magos, recanto da beira-rio.

5.1.07

Navegar é preciso














Apesar do mundo louco que temos, onde acontecem estas coisas.

4.1.07

Monólogo de Orfeu


















...........................
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo!

Vinicius de Moraes
in 'Orfeu da Conceição'

3.1.07

Memória

O tempo, conforme um muro, uma torre, qualquer construção, faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que me contaram que aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento.
...........................................
José Luis Peixoto
in Cemitério de Pianos

2.1.07

Força, Mariana

Tinha de ser hoje. Era o seu primeiro dia de reformada. Mariana sonhara tanto com este dia, com a sensação de ser dona de um tempo mais longo, mais livre, menos espartilhado, menos sobrecarregado de afazeres e horários. E, afinal, já eram duas e meia da tarde e a tarefa que se propunha estava por iniciar. Com o coração pequenino, como quem tem medo de não ser capaz, de não chegar lá, de ficar muito aquém do desejável, do minimamente desejável, dirigiu-se à secretária, ligou o computador e meteu mãos à obra. Começou a escrever. Afinal de contas, toda a vida achara que gostava de ler e escrever.

Retrato de Mulher

Algo de cereal e de campestre
Algo de simples em sua claridade
Algo sorri em sua austeridade


Sophia de Mello Breyner Andresen

1.1.07

1 de Janeiro

.............
o ano da boca fechada, o ano da boca no cano de descarga, o ano do nervo do dente exposto na boca do torturado, o ano das unhas arrancadas, o ano dos gritos, o ano dos guerrilheiros suicidas, o ano de cortar a barriga com a faca de bambu, o ano de cortar os pulsos com gilete enferrujada, o ano das cabeças muito loucas, o ano de viver perigosamente,
.......................

Esse foi o passado. O de agora, não o queremos assim.

Texto: daqui

Sabemos



Que o que é novo é uma página em branco, que sempre nos desafia.

Branco, liso, límpido, transparente, a moldar por nossas mãos.

Aí está: o Ano Novo.

Foto: dali